A consciência desse sertão - quase uma entidade mítica, símbolo das áreas mais desertas do Brasil, onde uma sociedade rudimentar sobrevive divorciada do conforto do progresso encontrado no litoral - começou a se refletir, na ficção brasileira, a partir de alguns escritores românticos, como Bernardo Guimarães (O Ermitão do Muquém, 1869) e Taunay (Inocência, 1872).
Uma visão mais realista surgiria, anos depois, em Pelo Sertão, livro de contos de Afonso Arinos, publicado em 1898. No século 20, o tema seria retomado em várias obras menos expressivas, até que, em 1958, Bernardo Ellis publicasse O Tronco, romance pouco comentado mas brilhante, que enfoca a realidade do sertão do Centro-Oeste brasileiro. Ao mesmo tempo, João Guimarães Rosa conseguia atingir a própria estrutura psicológica do sertanejo - como se o sertão passasse a ser observado de dentro para fora, surpreendido em suas mais profundas motivações -, ao publicar Sagarana (1946), Corpo de Baile (1956) e Grande Sertão: Veredas (1956).
O livro de Euclides da Cunha surge, portanto, na passagem do Realismo para o Modernismo, em 1902, fruto das reportagens que o autor realizou, como enviado de O Estado de S. Paulo, durante a fase final da Campanha de Canudos (1897). Os textos jornalísticos, contudo, em nada se comparam à dimensão alcançada pela obra, na qual Euclides antepõe à narração da luta dos sertanejos duas partes introdutórias: "A Terra" e "O Homem".
Obra inclassificável Construindo um painel gigantesco da paisagem física e humana do sertão nordestino, Euclides reúne um incrível volume de informações, uma espantosa multiplicidade de fatos e interpretações, fixando, na figura de Antônio Conselheiro, a expressão desse mundo atormentado e esquecido. A narrativa da terceira e última parte do livro, "A Luta", surge, dessa forma, como uma campanha sem glória, em que as forças governistas investem, cegas, contra uma comunidade miserável. A obra é prejudicada pela visão fatalista de Euclides, que erra, em sua análise da “sub-raça sertaneja”, com a ciência da época. Apesar disso, Os Sertões permanece como uma contribuição essencial para o conhecimento de parcela da realidade brasileira. Já no que se refere às características estéticas da obra, seu estilo de exuberância barroca explode numa linguagem rebuscada, verdadeiro convite a saborear as infinitas possibilidades da língua portuguesa. Inclassificável, Os Sertões é, segundo Alfredo Bosi, “um testamento de paixão e de ciência”. |
Para ler a obra
Quatro livros podem facilitar a leitura de Os Sertões:Fontes
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